PEDRO MALTA - A HORA DA POESIA

PINTURA ADMIRÁVEL DE UMA BELEZA – Gregório de Matos

Vês esse sol de luzes coroado?
Em pérolas a aurora convertida?
Vês a lua de estrelas guarnecida?
Vês o céu de planetas adorado?

O céu deixemos; vês naquele prado
A rosa com razão desvanecida?
A açucena por alva presumida?
O cravo por galã lisonjeado?

Deixa o prado; vem cá, minha adorada:
Vês desse mar a esfera cristalina
Em sucessivo aljôfar desatada?

Parece aos olhos ser de prata fina?
Vês tudo isso bem? Pois tudo é nada
À vista do teu rosto, Catarina.

Gregório de Matos, Salvador-BA, (1636-1696)

PEDRO MALTA - A HORA DA POESIA

DESENCANTO – Padre Antônio Tomás

Muitas vezes cantei, nos tempos idos,
Acalentando sonhos de ventura;
Então da lira a voz suave e pura
Era-me um gozo d’alma e dos sentidos.

Hoje vejo esses sonhos convertidos
Num acervo de penas e amargura,
E percorro da vida a estrada escura
Recalcando no peito os meus gemidos.

E, se tento cantar como remédio
Às minhas mágoas, ao sombrio tédio
Que lentamente as forças me quebranta,

Os sons que arranco à pobre lira agora
Mais parecem soluços de quem chora
Do que a doce toada de quem canta.

Padre Antônio Tomás de Sales, Acaraú-CE (1868-1941)

PEDRO MALTA - A HORA DA POESIA

REGRESSO AO LAR – Guerra Junqueiro

Ai, há quantos anos que eu parti chorando
Deste meu saudoso, carinhoso lar!…
Foi há vinte?…há trinta? Nem eu sei já quando!…
Minha velha ama, que me estás fitando,
Canta-me cantigas para eu me lembrar!…

Dei a volta ao mundo, dei a volta à Vida…
Só achei enganos, decepções, pesar…
Oh! a ingénua alma tão desiludida!…
Minha velha ama, com a voz dorida,
Canta-me cantigas de me adormentar!…

Trago d’amargura o coração desfeito…
Vê que fundas mágoas no embaciado olhar!
Nunca eu saíra do meu ninho estreito!…
Minha velha ama que me deste o peito,
Canta-me cantigas para me embalar!…

Pôs-me Deus outrora no frouxel do ninho
Pedrarias d’astros, gemas de luar…
Tudo me roubaram, vê, pelo caminho!…
Minha velha ama, sou um pobrezinho…
Canta-me cantigas de fazer chorar!

Como antigamente, no regaço amado,
(Venho morto, morto!…) deixa-me deitar!
Ai, o teu menino como está mudado!
Minha velha ama, como está mudado!
Canta-lhe cantigas de dormir, sonhar!…

Cante-me cantigas, manso, muito manso…
Tristes, muito tristes, como à noite o mar…
Canta-me cantigas para ver se alcanço
Que a minh’alma durma, tenha paz, descanso,
Quando a Morte, em breve, ma vier buscar!…

Abílio Manuel Guerra Junqueiro, Portugal, (1850-1923)

PEDRO MALTA - A HORA DA POESIA

OUVIR ESTRELAS – Olavo Bilac

“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo,
perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
que, para ouvi-las, muita vez desperto
e abro as janelas, pálido de espanto…

E conversamos toda a noite, enquanto
a Via-Láctea, como um pálio aberto,
cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: – “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
tem o que dizem, quando estão contigo?”

E eu vos direi. -“Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
capaz de ouvir e de entender estrelas”.

Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac, Rio de Janeiro, (1865-1918)

PEDRO MALTA - A HORA DA POESIA

CANTIGA PARA NÃO MORRER – Ferreira Gullar

Quando você for se embora,
moça branca como a neve,
me leve.

Se acaso você não possa
me carregar pela mão,
menina branca de neve,
me leve no coração.

Se no coração não possa
por acaso me levar,
moça de sonho e de neve,
me leve no seu lembrar.

E se aí também não possa
por tanta coisa que leve
já viva em seu pensamento,
menina branca de neve,
me leve no esquecimento

José Ribamar Ferreira, o  Ferreira Gullar, São Luís-MA, (1930-2016)

PEDRO MALTA - A HORA DA POESIA

ARREPENDIMENTO – Olegário Mariano

Deste amor torturado e sem ventura
Resta-me o alívio do arrependimento.
O pouco que me deste de ternura
Não vale o que te dei de encantamento.

Abri para o teu sonho o firmamento,
Semeei de estrelas tua noite escura.
Dei-te alma, exaltação e sentimento.
Fiz de um bloco de pedra uma criatura.

Hoje, ambos à mercê de sorte avessa,
Se para te esquecer luto e me esforço,
Manda-me o coração que não te esqueça.

Padecemos idêntico suplício:
Tu – corroída de pena e de remorso,
Eu – com vergonha do meu sacrifício.

Olegário Mariano Carneiro da Cunha, Recife-PE, (1889-1958)

PEDRO MALTA - A HORA DA POESIA

TARDE DEMAIS… – Florbela Espanca

Quando chegaste enfim, para te ver
Abriu-se a noite em mágico luar;
E pra o som de teus passos conhecer
Pôs-se o silêncio, em volta, a escutar…

Chegaste enfim! Milagre de endoidar!
Viu-se nessa hora o que não pode ser:
Em plena noite, a noite iluminar;
E as pedras do caminho florescer!

Beijando a areia d’oiro dos desertos
Procura-te em vão! Braços abertos,
Pés nus, olhos a rir, a boca em flor!

E há cem anos que eu fui nova e linda!…
E a minha boca morta grita ainda:
“Por que chegaste tarde, Ó meu Amor?!…”

Florbela Espanca, Vila Viçosa, Portugal (1894-1930)

PEDRO MALTA - A HORA DA POESIA

SONETOS AOS PÉS DE DEUS – Afonso Félix de Souza

Eu bato, eu bato, eu bato à tua porta,
bato sem ver que a porta está aberta.
Sem ver-te, sei, tua presença é certa,
e tento orar, mas minha voz é torta.

A luz que vem de ti em dois me corta,,
e do que fui e sou outro desperta.
Não posso, assim, a ti dar-me em oferta,
pois já nem sei que ser meu ser comporta.

Tudo o que busco dás, dás de sobejo,
pois sabes mais do que eu o que desejo,
e estás comigo e em mim, sempre a meu lado.

Comigo estás na paz e nas pelejas.
Por tudo o que me dás louvado sejas,
por tudo o que não dás sejas louvado.

Afonso Félix de Sousa, Jaraguá-GO (1925-2002)

PEDRO MALTA - A HORA DA POESIA

REGRESSO AO LAR – Abílio Guerra Junqueiro

Ai, há quantos anos que eu parti chorando
deste meu saudoso, carinhoso lar!…
Foi há vinte?… Há trinta?… Nem eu sei já quando!…
Minha velha ama, que me estás fitando,
canta-me cantigas para me eu lembrar!…

Dei a volta ao mundo, dei a volta à vida…
Só achei enganos, decepções, pesar…
Oh, a ingénua alma tão desiludida!…
Minha velha ama, com a voz dorida.
canta-me cantigas de me adormentar!…

Trago de amargura o coração desfeito…
Vê que fundas mágoas no embaciado olhar!
Nunca eu saíra do meu ninho estreito!…
Minha velha ama, que me deste o peito,
canta-me cantigas para me embalar!…

Pôs-me Deus outrora no frouxel do ninho
pedrarias de astros, gemas de luar…
Tudo me roubaram, vê, pelo caminho!…
Minha velha ama, sou um pobrezinho…
Canta-me cantigas de fazer chorar!…

Como antigamente, no regaço amado
(Venho morto, morto!…), deixa-me deitar!
Ai o teu menino como está mudado!
Minha velha ama, como está mudado!
Canta-lhe cantigas de dormir, sonhar!…

Canta-me cantigas manso, muito manso…
tristes, muito tristes, como à noite o mar…
Canta-me cantigas para ver se alcanço
que a minha alma durma, tenha paz, descanso,
quando a morte, em breve, ma vier buscar!

Abílio Manuel Guerra Junqueiro, Portugal, (1850-1923)

PEDRO MALTA - A HORA DA POESIA

HISTÓRIA ANTIGA – Raul de Leoni

No meu grande otimismo de inocente,
Eu nunca soube por que foi… um dia,
Ela me olhou indiferentemente,
Perguntei-lhe por que era… Não sabia…

Desde então, transformou-se de repente
A nossa intimidade correntia
Em saudações de simples cortesia
E a vida foi andando para frente…

Nunca mais nos falamos… vai distante…
Mas, quando a vejo, há sempre um vago instante
Em que seu mudo olhar no meu repousa,

E eu sinto, sem no entanto compreendê-la,
Que ela tenta dizer-me qualquer cousa,
Mas que é tarde demais para dizê-la…

Raul de Leoni, Petrópolis, (1895-1926)