DEU NO JORNAL

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O FIM DA “SAIDINHA”

Editorial Gazeta do Povo

Fim das “saidinhas” de presos em feriados foi aprovado no Senado e voltará à Câmara

Foi avassaladora a maioria formada no Senado para a aprovação do PL que acaba com as “saidinhas” temporárias de presos em datas comemorativas. Dos 81 senadores, 62 foram favoráveis ao texto, e apenas dois deram votos contrários – Rogério Carvalho (PT-SE) e Cid Gomes (PSB-CE). Senadores de partidos mais alinhados com o governo e até mesmo três petistas votaram pela aprovação, já que o líder Jaques Wagner havia liberado a bancada do PT. Devido a alterações feitas no Senado, o texto retornará à Câmara dos Deputados, onde havia sido aprovado em agosto de 2022 com o voto de 311 parlamentares.

A proposta já tramitava no Congresso Nacional havia mais de dez anos, e ganhou impulso no Senado, em cujas gavetas dormia havia um ano e meio, após as recentes notícias de vários crimes cometidos por presos que se aproveitaram da “saidinha” de fim de ano. O mais célebre deles foi o assassinato do sargento Roger Dias da Cunha, da PM de Minas Gerais, baleado na cabeça em 5 de janeiro por um criminoso que deveria ter retornado em 23 de dezembro à penitenciária onde cumpria pena. Seria muito equivocado, no entanto, considerar que o PL ou sua aprovação no Senado são casuístas; trata-se de uma reação a uma legislação processual e de execução penal repleta de brechas para a leniência com a bandidagem.

Por motivos os mais diversos, que vão da falta de estrutura das forças de segurança à legislação frouxa e à força do garantismo penal, o Brasil é um país onde o crime compensa. Segundo estudo do Instituto Sou da Paz divulgado em dezembro de 2023, o índice de solução de homicídios no país foi de medíocres 35% em 2021, contra uma média mundial de 63%. O estudo ressalta que há graves disparidades regionais, já que os índices estaduais vão dos 9% do Rio Grande do Norte aos 76% do Paraná. Ainda assim, é preciso questionar: se estes são os índices de resolução do crime mais grave, aquele cometido contra a vida, quais serão os números para outros crimes, como os assaltos e os estupros?

E, mesmo quando os criminosos são identificados, nada garantirá que eles realmente acabem atrás das grades; se vão presos, é praticamente certo que jamais cumprirão a totalidade de sua pena, graças a todo tipo de progressão e benefício. Isso transforma a lei penal em ficção e o Brasil, em terra de impunidade, ao contrário do que dizem os militantes do desencarceramento, repetidores do slogan “o Brasil prende muito”, às vezes complementado por um “e prende mal”, como se traficantes de drogas ou quem aponta uma arma para outra pessoa para lhe roubar também não fossem ameaças à sociedade, devendo ser isolados dela.

A “saidinha”, por mais bem-intencionados que fossem os seus idealizadores, que a conceberam como ferramenta de ressocialização para presos do regime semiaberto que já cumpriram parte da pena e demonstram bom comportamento, acabou se tornando mais um fator a alimentar a leniência e a impunidade. Dos 57 mil detentos que deixaram os presídios no último fim de ano, cerca de 2,7 mil não retornaram, pouco menos de 5%. O Rio de Janeiro liderou em termos proporcionais: 14% dos presos beneficiados seguiram nas ruas, incluindo chefes de facções criminosas. Em 2022, a taxa de evasão havia sido três vezes maior: 43%. Que 1 a cada 20 presos aproveite a ocasião para fugir já seria demonstração de falhas no sistema; que eles ainda voltem à vida de crimes é atestado da falência da ferramenta.

O projeto recebido da Câmara, no entanto, ia além do necessário, impedindo qualquer saída temporária. O senador Sergio Moro propôs, então, uma emenda salvaguardando o benefício no caso de presos que frequentassem cursos profissionalizantes, de ensino médio ou superior, desde que cumpridas uma série de condições, como a realização de exame criminológico, e vedando a permissão aos condenados por crimes hediondos ou cometidos com violência ou ameaça contra a vítima. A alteração, que de certa forma preserva o espírito original da saída, ajudou a destravar a tramitação do PL no Senado e facilitou sua aprovação por ampla margem.

Quando surgem ideias que tragam mais rigor no campo da segurança pública ou da lei penal, uma das contestações mais frequentes é a de que “não é essa medida que reduzirá a violência”, ou bordões semelhantes. Mas ninguém está tratando o fim da “saidinha” – ou qualquer outra medida – como a bala de prata que, num passe de mágica, deixará a sociedade mais segura. Esse objetivo só será alcançado com trabalho árduo em muitas frentes, como reforço no policiamento preventivo, melhores índices de resolução de crimes, penitenciárias que efetivamente cumpram seu papel em vez de serem “escolas de crime” dominadas pelas facções, correta aplicação das leis em benefício da sociedade e o fim da leniência com os bandidos. A extinção da “saidinha” nos moldes atuais é parte desse esforço.

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UM GOLPE ATRÁS DO OUTRO

Luís Ernesto Lacombe

Luís Roberto Barroso

Em entrevista a um canal de televisão a cabo que faz parte da rede de “assessoria de imprensa” da aliança STF-PT, o ministro do Supremo Luís Roberto Barroso criticou o que ele chamou de “politização indevida das Forças Armadas” nos últimos anos. E emendou: “Infelizmente, se reavivou uma assombração que já achávamos enterrada na vida brasileira, que é a do golpismo”. Barroso tem essa mania de falar sem parar, e ele e sua turma deixam claro que não sabem o que é espelho, que são adeptos do denuncismo desvairado e da falta de autocrítica. Fazem uma força danada para enxergar um golpe promovido sempre pelos outros, por aqueles que eles, de forma muito descarada, desavergonhada mesmo, escolheram como “inimigos da democracia”.

Na entrevista amigável, condizente com uma imprensa de estimação, sem perguntas pertinentes e cabíveis, sem questionamentos necessários sobre tantas contradições, Barroso ainda declarou o seguinte: “A pior coisa que existe para a democracia é general em palanque”. Pelo menos, ele não disse isso quando estava no palco dos comunistas da UNE e, muito à vontade, gritou: “Nós derrotamos o bolsonarismo!” Se a Barroso não resta dúvida de que as Forças Armadas não são um poder político, a ele está muito claro que o Judiciário, esse, sim, é… Com certeza, é, e o principal… Afirmar o contrário pode trazer problemas para qualquer um, desde que não esteja de mãos dadas com o grupo do Barroso. Por isso, o guerrilheiro José Dirceu nunca foi interpelado por dizer que o Judiciário nem é exatamente um poder… Wadih Damous, outro petista, também pôde pedir, despreocupadamente, o fechamento do Supremo. A questão está assim faz tempo: depende de quem faz e não do que é feito.

Recuo, então, para o ano de 2016, quando o impeachment de Dilma Rousseff foi, inconstitucionalmente, fatiado, numa sessão presidida pelo então ministro do STF Ricardo Lewandowski. Os petistas até hoje gritam sem parar e impunemente que o afastamento dela “foi golpe!”, “foi gópi!” Não, golpe foi a manutenção de seus direitos políticos, referendada por unanimidade pelo Supremo. No plenário do Senado, Kátia Abreu fez um apelo: “Peço aos colegas que não apliquem essa pena de inabilitação, pela honestidade e idoneidade da presidente, independentemente de erros que alguns concordam que ela tenha cometido. Ela já fez as contas e deve se aposentar com cerca de R$ 5 mil. Então, precisa continuar trabalhando para suprir as suas necessidades”. João Capiberibe disse que a manutenção dos direitos políticos de Dilma permitiria a abertura de “uma vereda para conciliação e pacto”. Jorge Viana, quase às lágrimas, seguiu esse mesmo caminho e falou em “democracia, convivência e em honra da presidente”. Renan Calheiros agiu para impedir, “além da queda, o coice”.

Portanto, o fatiamento do processo de impeachment foi um golpe, em nome de alguma coisa que quiseram chamar de bondade e conciliação política… E dele vieram outros golpes. A senadora Kátia Abreu adiantou que Dilma não tinha a intenção de se candidatar… Golpe… Dilma foi candidata a senadora por Minas Gerais em 2018. As pesquisas eleitorais pareceram tramar um golpe para que ela fosse eleita. A petista liderava as consultas aos votantes, mas acabou derrotada por Rodrigo Pacheco, que tem aplicado, desde então, sucessivos golpes em todos os brasileiros, principalmente nos seus eleitores mineiros… Ex-eleitores, me arrisco a dizer, já que para o que o presidente do Senado tem feito há contragolpe previsto.

Em 2016, quando seu impeachment era iminente e as manifestações populares contra ela eram imensas, Dilma Rousseff pensou num jeito de escapar. Pelo menos foi o que contou o ex-senador Arthur Virgílio Neto, citando o que ouviu do general Eduardo Villas Bôas. O então comandante do Exército recebeu da ainda presidente um pedido de apoio e solidariedade para decretar estado de defesa. O militar não aceitou. E Arthur Virgílio, em entrevista recente, afirmou que “a tentativa de golpe por parte de Dilma é algo incomparavelmente mais concreto do que todas as acusações frágeis ao ex-presidente Bolsonaro”. E, se o ex-presidente, como Dilma, pensou em algum dispositivo constitucional para permanecer no poder, não há nada que o ligue ao vandalismo em Brasília em 8 de janeiro de 2023.

Com a eleição de Jair Bolsonaro em 2018, o STF começou a abrir uma série de inquéritos intermináveis. O único arquivado desde então, na verdade, só mudou de nome: deixou de ser inquérito dos “atos antidemocráticos” e passou a ser das “milícias digitais”, que já foi prorrogado nove vezes. No mês que vem, o primeiro de todos, o Inquérito do Fim do Mundo, assim batizado pelo ex-ministro do Supremo Marco Aurélio Mello, vai completar cinco anos. Juristas sérios deste país apontam ilegalidades, abusos e arbítrios em todos eles. E o que foi “descoberto” até agora? Que só quem critica os ministros do STF e não está com Lula e o PT mente, desinforma, faz discurso de ódio e, não gostando da democracia, pensa em golpe 24 horas por dia.

Em apenas dois anos de governo Bolsonaro, o STF já tinha tomado 123 medidas que interferiram no Poder Executivo. Mesmo prerrogativas constitucionais do presidente, como a indicação do diretor-geral da Polícia Federal e a concessão de indulto a condenado pela Justiça, foram barradas. O Supremo, que durante o período de Covid tirou de Bolsonaro a decisão sobre adoção ou não do lockdown, dando todo o poder a prefeitos e governadores, agora retira dos Executivos municipais e estaduais a decisão de exigir ou não a vacina da Covid em crianças…

O STF foi se esparramando pelo Executivo e também pelo Legislativo federais. A discussão no parlamento sobre a adoção do voto impresso auditável, com contagem pública dos votos, teve clara interferência do ministro Barroso, que não foi perguntado sobre o assunto na entrevista para amigos na última semana. Também não foi questionado sobre a declaração de que a suprema corte é uma espécie de “empurradora da história”… Nem sobre o “perdeu, mané”… A assessoria de imprensa da turma no controle do país é dona da pauta e não deu bola quando Dias Toffoli disse que os ministros do STF eram “os editores do Brasil”, quando ele afirmou que já tínhamos um “semipresidencialismo” no país, com o STF exercendo o papel de “poder moderador”. Isso tudo é bobagem. O que se deve lamentar mesmo, Barroso falou na entrevista, é “a politização indevida das Forças Armadas”. E – isso ele não disse, mas conclui-se – a politização do povo brasileiro.

Impossível não falar do vaivém do STF sobre a prisão após condenação em segunda instância. Impossível não falar das artimanhas para anular as condenações do Lula e do uso de mensagens hackeadas, nunca periciadas, para acusar Sergio Moro de parcial… Como se Lula tivesse sido colocado na prisão por uma decisão exclusiva do atual senador, que agora pode perder seu mandato. Dá para chamar isso de golpe? Moro foi o responsável por isso sozinho? E os três juízes do TRF-4 que condenaram Lula por unanimidade? E os quatro juízes do STJ que condenaram Lula por unanimidade? E os ministros do STF que negaram habeas corpus para o petista quando ele estava na prisão?

Lula foi solto e liberado para concorrer à Presidência da República… De novo, dá para chamar isso de golpe? E toda a campanha eleitoral, como ela deve ser tratada? Houve equilíbrio? Só um lado parecia não ter escrúpulos. Foi só coincidência o TSE ter tomado decisões quase sempre favoráveis ao PT e quase sempre desfavoráveis ao candidato do PL? Bolsonaro não podia chamar Lula de ladrão, corrupto, mostrar imagens dele, de José Genoino, José Dirceu e Antônio Palocci sendo presos… Lula podia chamar Bolsonaro de genocida, negacionista, miliciano, fascista e conseguiu que seu concorrente não pudesse usar na campanha imagens das enormes manifestações de 7 de setembro de 2022.

Ninguém podia falar da ligação de Lula com ditadores como Daniel Ortega e Nicolás Maduro, e o petista também impediu a exibição de falas suas sobre a Covid e sobre o aborto, numa espécie de “autocensura”. Ficou decidido que ele não disse o que disse… Coisas assim: “Ainda bem que a natureza, contra a vontade da humanidade, criou esse monstro chamado coronavírus”; “É questão de saúde pública. Todos deveriam ter o direito de fazer o aborto e não ter vergonha. Não quero ter filho, vou cuidar de não ter filho. O que não dá é a lei exigir que a mulher tenha filho”.

Tudo contra Lula estava fora de contexto, era inverídico, montagem, edição… Quando começou a circular o áudio de um chefe de facção criminosa, manifestando sua preferência pelo petista na eleição, houve censura. E a justificativa do TSE para impedir a divulgação da gravação foi a seguinte: “A notícia informava que Marcola declarava voto no petista, sendo que, por estar condenado, ele não pode votar”. O título da matéria do portal estava malfeito; suprimiu-se a informação. Da mesma forma, a entrevista de uma senadora sobre o assassinato do prefeito petista Celso Daniel também foi censurada, assim como menções a casos de corrupção envolvendo o PT. Sendo uma figura decorativa no partido, Lula nunca soube do mensalão, do petrolão; nada passava por ele. Lula nunca teve ligação com nada de ruim, nunca, nunca.

Contra Bolsonaro, tudo era verídico. A favor dele, tudo era a mais pura mentira. E, nessa gigante onda persecutória, centenas de perfis nas redes sociais, canais em plataformas de vídeos e até veículos de imprensa tradicionais foram censurados, bloqueados ou banidos. Dá para dizer que o país foi perdendo a consciência e se curvando a um golpe? Definiram tendenciosamente os conceitos de fake news, desinformação, discurso de ódio, milícia digital e que tudo isso sempre foi obra única e exclusiva do que chamam de “extrema direita”. E foram proibidas de vez as críticas a ministros do Supremo e do TSE, como se todas elas fossem contra as instituições, e também os anseios por melhorias no sistema eletrônico de votação.

Os seres supremos parecem controlar tudo, ocuparam todos os espaços, passaram a circular com desenvoltura por eventos no mundo todo: congressos, seminários, desfile de escola de samba… Travestido de político, Luís Roberto Barroso esteve até no Fórum Econômico Mundial. Ninguém mais quer se limitar apenas aos autos, ninguém quer ser reservado, discreto, ninguém quer restringir seu convívio com empresários e políticos, mesmo que essas relações possam, eventualmente, provocar questionamentos sobre decisões jurídicas tomadas.

Os ministros do STF viraram “figurinha fácil” em programas e noticiários dos canais de televisão companheiros. Falam sobre qualquer assunto, e sem parar, já que o roteiro nada jornalístico sempre os favorece. E quem ainda tem senso crítico, bom senso e assistiu à entrevista de Barroso na semana passada entendeu muito bem o risco que corremos. O ministro disse o seguinte: “A imprensa vai ter de reocupar boa parte do espaço que perdeu para as plataformas digitais, porque passa credibilidade que as redes sociais não têm”. Isso agora é democracia, com censura às mídias digitais e a devolução do monopólio da informação, da propriedade da “verdade” aos veículos tradicionais, que nunca, nunca mentiram, erraram, se equivocaram, barraram o debate, militaram politicamente. Temos muito a agradecer aos salvadores da pátria, àqueles que restabeleceram a democracia. Os que discordam deles, esses, sim, são todos golpistas.

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UM DESPERTAR NECESSÁRIO, AINDA QUE TARDIO

Editorial Gazeta do Povo

O presidente Lula na coletiva de imprensa em que comparou a ofensiva israelense em Gaza ao Holocausto.

O presidente Lula na coletiva de imprensa em que comparou a ofensiva israelense em Gaza ao Holocausto

A vexaminosa e grotesca declaração do presidente Lula, que em 18 de fevereiro comparou a ofensiva israelense na Faixa de Gaza ao Holocausto perpetrado pelo nazismo e que vitimou milhões de judeus, despertou reação quase unânime da comunidade judaica brasileira – com exceção de uma entidade cuja fidelidade ao ideal de esquerda parece superar o respeito pela memória daqueles que ela diz representar. De todas as notas de repúdio emitidas em resposta ao desvario lulista, é importante destacar uma, a dos Judeus Pela Democracia.

O coletivo apoiou Lula nas eleições de 2022, mas isso não impediu que a fala do presidente fosse classificada como “vergonha histórica sob todos os pontos de vista”. O trecho talvez mais significativo da nota seja este: “Apoiamos Lula contra [Jair] Bolsonaro justamente porque acreditamos que Lula, por seu histórico humanista, defenderia todas as minorias. Dentre essas minorias estão os judeus. Nos últimos meses figuras importantes do partido do presidente já haviam dado declarações antissemitas, como Gleisi [Hoffmann] e [José] Genoino. Esperávamos de Lula que silenciasse essas vozes, e não as reforçasse ao dizer que os judeus de hoje são os nazistas do passado”. Em outras palavras, o que os Judeus Pela Democracia estão dizendo, ao verem o presidente vilipendiando a história e a memória de milhões de judeus e seus familiares, é que não foi para isso que haviam votado em Lula.

Este é um pensamento que deve estar rondando a cabeça de muitos brasileiros que também apertaram o 13 na urna eletrônica e veem o presidente brasileiro fazendo pouco caso da responsabilidade fiscal e exaltando o endividamento; aparelhando tudo o que encontra pela frente, do Supremo Tribunal Federal às empresas estatais e até companhias privadas; minando o combate à corrupção; abraçando com prazer ditadores latino-americanos e de outros continentes; buscando minar a liberdade de expressão dos brasileiros; ou ressuscitando políticas industriais equivocadas e protecionistas – isso para ficar em uma lista breve. Para esses brasileiros, as notícias não são nada boas: não foi para isso que eles votaram em Lula, mas foi exatamente para isso que Lula pediu seus votos.

E pediu sem ter de enganar ninguém quanto a suas intenções. Durante a campanha, Lula fez a defesa explícita de ditadores amigos, usou a falsa equivalência moral para igualar Rússia e Ucrânia, atacou o teto de gastos em todas as oportunidades, afirmou sua intenção de rever uma série de medidas como a reforma trabalhista e até a privatização da Eletrobras, e manifestou sua intenção de reescrever a história da Operação Lava Jato. Seus advogados de campanha estiveram entre os maiores defensores da censura à divulgação de informações verdadeiras, mas desabonadoras, sobre o petista.

Mesmo quando não houve declarações em período eleitoral, bastava observar o comportamento do partido no Congresso – por exemplo, tentando derrubar ou ao menos desfigurar a Lei das Estatais – ou o histórico do petismo. No caso específico do conflito palestino-israelense, o PT jamais tomou o lado dos judeus em qualquer episódio, estando ou não no poder. Nada, absolutamente nada que Lula e o PT venham fazendo desde 1.º de janeiro de 2023 é uma surpresa; estava tudo devidamente anunciado antes de as urnas se abrirem para receber os votos dos brasileiros.

Não temos a pretensão de analisar as várias razões que possam ter levado eleitores a votar em Lula mesmo conhecendo e repudiando as plataformas defendidas e prometidas pelo petista e por seu partido, historicamente e durante a campanha de 2022. O importante, neste momento, é saudar o fato de que, lentamente, os brasileiros estão abrindo os olhos para o que Lula realmente representa. Se os Judeus Pela Democracia seguirão apoiando o presidente apesar da “vergonha histórica” é algo que só o futuro dirá. Mas, ainda que tenhamos de conviver com essa e outras vergonhas e decepções pelos próximos três anos, nunca é tarde para que muitos brasileiros finalmente percebam que Lula e o petismo os fizeram de inocentes úteis para seu projeto de poder. Não há demérito algum em uma correção de rumos, especialmente uma que deixe para trás figuras, práticas e ideologias nefastas, antidemocráticas, irresponsáveis e preconceituosas.

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“VOCÊ É CIS?”

Luciano Trigo

Para uma coisa serviu o depoimento do ex-presidente Jair Bolsonaro à Polícia Federal realizado ontem: para o Brasil inteiro descobrir que a PF adota como procedimento protocolar perguntar aos depoentes – sejam testemunhas, sejam investigados – se eles se identificam como “cis”. Parece que a classificação passou a integrar recentemente oitivas e documentos oficiais.

Como era previsível, Bolsonaro não soube responder – como não saberiam responder, provavelmente, mais de 90% dos brasileiros: aqueles que moram no país real, e não na lacrolândia, no país das narrativas.

Estes brasileiros estão preocupados com outras coisas, como aliás o aumento visível da criminalidade, não com a identidade de gênero do ex-presidente, nem com neologismos artificialmente fabricados e impostos à sociedade de cima para baixo.

Resultado: para muita gente, um depoimento grave, sobre uma suposta tentativa de golpe de Estado, aguardado com grande expectativa e apreensão, caiu no ridículo, já que a única pergunta noticiada por todos os portais e jornais foi esta. Foi também a única que fez Bolsonaro romper seu silêncio: ele respondeu dizendo desconhecer o termo.

Mas, para além do caráter anedótico do episódio, cabe uma reflexão.

“Você é cis?” é uma pergunta que soa preconceituosa, estigmatizante, inoportuna, discriminatória, inadequada, intempestiva e até mesmo constrangedora, justamente porque isso não deveria fazer diferença nenhuma para a Polícia. Mas, se fazem a pergunta, é porque alguma diferença deve fazer.

Perguntar se alguém é “cis” equivale a perguntar se ele ou ela se identifica com seu sexo biológico. Mas isso é da conta da Polícia? Que diferença faz? Muda alguma coisa saber se um investigado ou testemunha é “cis”? A resposta gerará um tratamento desigualitário?

Agora imaginem, por alguns segundos, a repercussão que o episódio teria se fosse o contrário: começa o depoimento, e Bolsonaro pergunta ao delegado se ele se identifica com seu sexo biológico. Talvez recebesse voz de prisão na hora. No mínimo, seria acusado por toda a grande mídia de fóbico, golpista, fascista e genocida.

Para quem ainda não sabe, “cis” é um modismo relativamente recente adotado pela militância woke. Derivado do latim, significa “do mesmo lado”. À primeira vista, “cisgênero”, portanto, é toda pessoa que se identifica com seu sexo biológico.

Ou não exatamente, porque li agora outra definição, sutilmente diferente: cisgênero é a pessoa que se identifica com o sexo “que lhe foi atribuído ao nascer”: “Por exemplo, se uma pessoa é designada como mulher ao nascer e se identifica como mulher”.

Se entendi bem, parece que os bebês hoje em dia nascem sem sexo, e que o sexo é algo “designado” ou “atribuído” a posteriori, com base em características biológicas.

Ai ai ai, as coisas estão ficando muito complicadas. Antigamente o sexo de um bebê era um fato da biologia, ponto. Não era algo designado nem atribuído, era simplesmente algo constatado e registrado. As palavras ainda importam?

Mais preocupante, contudo, é outra mudança de costumes que o procedimento protocolar da PF explicita: antigamente as pessoas tinham direito à intimidade e à privacidade. A própria Declaração Universal dos Direitos Humanos, publicada em 1948, assegurou que ninguém será sujeito a interferências em sua vida privada.

E, em seu inciso X do artigo 5º, a Constituição Federal assevera: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Segundo juristas, o legislador visou, com isso, proteger o indivíduo da intromissão alheia em sua vida particular: o pressuposto é que não cabe ao Estado nem a ninguém se meter na intimidade de um cidadão, pelo risco implícito de prejuízo à imagem ou de exposição indevida.

Com base no exposto acima, a pergunta “Você é cis?”, na minha opinião, é duplamente ofensiva, porque o objetivo da tutela constitucional é proteger as pessoas de duas ofensas: a ofensa ao segredo da vida privada (ao direito à intimidade) e a ofensa à liberdade da vida privada (ao direito à vida privada).

Ora, se até uma baleia tem o direito de não ser importunada, qual o sentido de se perguntar a um ex-presidente – ou a qualquer cidadão – se ele se identifica com seu sexo biológico? Acredito que a melhor resposta a esta pergunta teria sido: “Não é da sua conta”.