MARCOS MAIRTON - CONTOS, CRÔNICAS E CORDEIS

Valdomiro acordou no meio da noite com a boca amargando e uma incômoda vontade de urinar. Abriu os olhos, mas não enxergou nada. O lugar estava um breu. Sentia apenas que estava deitado em uma cama e que a cama parecia estar girando.

A cabeça doía, latejava. Artérias pulsavam de cada um dos lados da fronte, como se ameaçassem estourar. Valdomiro ficou parado por alguns segundos, esperando que os olhos se acostumassem à escuridão, embora mal conseguisse mantê-los abertos, por causa da dor de cabeça.

Precisava reagir. A primeira coisa a fazer era levantar e encontrar um vaso sanitário. A vontade de urinar incomodava cada vez mais. Ainda deitado, começou a se mover e percebeu que não estava usando seu costumeiro pijama, mas calça jeans e uma camisa de mangas compridas. “Como assim?”, pensou. “Será que bebi tanto que adormeci sem trocar de roupa?”.

Sim, havia adormecido sem trocar de roupa. E tinha mesmo bebido. Agora começava a lembrar. Saíra do trabalho com o Flávio e o Gerson para tomar uns uísques no Skina Bar. Três amigas do Gerson apareceram por lá. Preferiram beber vinho. Valdomiro exibiu seus conhecimentos enológicos. Que não eram lá grande coisa, mas suficientes para uma das moças ficar interessada na conversa. Valdomiro lembrou de ter bebido vinho com ela. Bonitinha a moça.

Mas as lembranças de Valdomiro foram rapidamente interrompidas. A vontade de urinar reclamava a sua atenção. Retomando seu intento de procurar um banheiro, conseguiu sentar na beirada da cama. Já enxergava alguma coisa, mas, do pouco que via, nada reconhecia. E tudo continuava a se mover, como se ele estivesse dentro de um barco, em uma noite de tempestade. Um lugar estranho em uma noite estranha. “Como vim parar aqui?” – pensava.

Enquanto se preparava para ficar de pé, mais imagens vinham-lhe à mente. Na saída do bar, carros estacionados na rua, muitos. O de Valdomiro não estava lá. “Claro! Eu estava de carona com o Gerson!”. Mas, teria voltado com ele? Não lembrava, embora fosse o mais provável… A não ser que tivesse passado para o carro daquela amiga do Gerson… Como era mesmo o nome dela…?

Esses pensamentos passavam pela cabeça de Valdomiro em uma velocidade espantosa, enquanto ele, ainda sentado na beirada da cama, tentava firmar os pés no chão. As pernas tremiam, os braços também. Ao primeiro esforço para se erguer, a cabeça deu um giro tão rápido que o obrigou a permanecer sentado e apoiar as mãos no colchão. Sentiu vontade de vomitar. Manteve o controle.

“Se foi mesmo ela quem me trouxe para cá, deve ter ficado decepcionada. Não tirei nem a roupa! Não deve ter acontecido nada aqui…”. Pensou nisso e voltou imediatamente o olhar para o outro lado da cama. Os olhos já habituados à falta de luz o permitiram vislumbrar a silhueta da mulher. Estava deitada na cama, envolta no lençol, de costas para ele.

Valdomiro agora tinha certeza da comédia de mau gosto que protagonizara. Preparou-se para mais uma tentativa de se erguer e sentiu algo incomodando no bolso da calça. Era o telefone celular. Pegou o aparelho e olhou as horas. Três e vinte e sete da madrugada. “Meu Deus! Se a Marilda ligar agora, eu vou dizer o quê?”.

Sim, havia Marilda, a mulher de Valdomiro. Ela não se incomodava que ele saísse de vez em quando com os amigos e bebesse um pouco. Mas ficar até tão tarde na rua era algo que ainda não havia acontecido nos seus quase seis anos de convivência. Valdomiro tentou imaginar o que poderia acontecer, mas a cabeça, latejando de dor, não permitia raciocínios complexos. O que ele sabia mesmo é que tinha que sair dali e que, antes, precisava de um banheiro. Já não estava mais suportando a vontade de urinar.

Teve uma ideia. Acendeu a lanterna do celular, para iluminar o caminho até um possível banheiro no entorno.

Finalmente de pé, não resistiu à tentação de apontar o foco da lanterna para aquela mulher com quem acabara de compartilhar a cama, mas de quem sequer lembrava o nome.

A luz deve tê-la incomodado, porque ela virou-se em direção a Valdomiro e, protegendo os olhos com a palma da mão esquerda, perguntou mal-humorada:

– Que porra é essa Miro? Ainda tá bêbado?

Era a Marilda.

Valdomiro até hoje não sabe dizer se levou um susto ou se sentiu um alívio ao reconhecer a esposa. Talvez os dois. O certo é que, um segundo depois, reconheceu também o abajur que ela acabava de acender, a cama, o quadro na parede…

Valdomiro agora tinha ciência de todas coisas ao seu redor. Sem pronunciar uma palavra, cambaleou em direção ao banheiro. As mãos tentando abrir o zíper da calça. Não conseguiu. Dominado por movimentos antiperistálticos, ajoelhou-se diante do vaso sanitário e sentiu como se as vísceras lhe quisessem escapar pela boca. Enquanto vomitava, a urina lhe descia pelas coxas e formava uma poça junto aos joelhos.

Debilitado, mas confortado por saber que estava na segurança de seu apartamento, Valdomiro agora se preocupava apenas com a reação de Marilda quando o dia amanhecesse. Mas foi ela mesma quem pôs fim a suas preocupações, ao dizer em tom compassivo tudo o que ele precisava ouvir:

– Porra, Miro. Que cachaça foi essa? Nunca te vi assim. O Flávio e o Gerson te trouxeram praticamente carregado nos braços. Veja se você consegue tomar um banho frio. Enquanto isso eu vou preparar um caldo com um resto de carne moída que sobrou da janta.

8 pensou em “UM LUGAR ESTRANHO EM UMA NOITE ESTRANHA

  1. Isso é que eu chamo de porre homérico.

    Valdomiro deve se precaver mais quando for tomar todas, pois bem sabe que “ebrius anus non domini”.
    Ai sim, é que seria tudo muito estranho e Marilda teria sido o menor dos seus problemas.

    • Joaquim, esse conto é de 2013. Lembrei de republicar depois que li o seu comentário à minha postagem da semana passada.
      Obrigado!

  2. Prezado Mairton,

    Empatia total com a situação Kafkaniana do seu amigo. Muitas vezes me vi em situação semelhante. A única diferença é que minha digníssima ex não era nem um pouco compreensiva como esta.

    Uma pena!

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