ARISTEU BEZERRA - CULTURA POPULAR

O ENTARDECER DA VIDA: REFLEXÃO SOBRE ENVELHECER

O envelhecimento da população é um fenômeno inegável e, felizmente, o que se observa atualmente é a preocupação de aumentar a expectativa de vida. Existe também um empenho para desenvolver estratégias objetivando viver com mais qualidade, satisfação e bem-estar.

Desse modo, o idoso deve focar no fortalecimento de suas habilidades cultivando sempre as emoções positivas. Alguns exemplos de forças pessoais que fornecem um significado para uma boa convivência são a esperança, a espiritualidade, a gratidão e o bom humor. Além dessas forças, o suporte social colabora como um importante recurso para o restabelecimento de valores para viver bem.

O corpo humano necessita de cuidados redobrados para acompanhar, de forma saudável, todas as transformações que ocorrem com o aumento da idade. É necessário o acompanhamento médico para prevenção de doenças, a prática de exercícios regulares a fim de equilibrar o corpo e a mente, preencher o tempo disponível com atividades prazerosas e saudáveis.

O tema envelhecer pode ficar mais ameno se for dado um tratamento poético, a exemplo deste belo poema de Olavo Bilac (1865-1918):

VELHAS ÁRVORES

Olha estas velhas árvores, mais belas
Do que as árvores novas, mais amigas:
Tanto mais belas quanto mais antigas,
Vencedoras da idade e das procelas…

O homem, a fera, e o inseto, à sombra delas
Vivem, livres de fomes e fadigas;
E em seus galhos abrigam-se as cantigas
E os amores das aves tagarelas.

Não choremos, amigos, a mocidade!
Envelheçamos rindo! envelheçamos
Como as árvores fortes envelhecem:

Na glória da alegria e da bondade,
Agasalhando os pássaros nos ramos,
Dando sombra e consolo aos que padecem!

DEU NO X

PENINHA - DICA MUSICAL

DEU NO X

J.R. GUZZO

SAFADEZA

O início da vacinação em massa contra a covid deveria ser um momento de esperança, de apoio aos que têm de ser imunizados com mais urgência e, em geral, de solidariedade e espírito público. Não está sendo assim. Em vez disso, mal foi aplicada a primeira dose, começaram a estourar por todo o País denúncias de desrespeito grosseiro ao cronograma da vacinação, com os que mandam e influem na máquina estatal furando a fila em favor de si mesmos, de parentes, de amigos e de amigos dos amigos.

Pensando bem, a pergunta mais adequada diante do que está acontecendo é a seguinte: qual a novidade? Seria mesmo impossível, diante dos usos, costumes e vícios da casta superior que governa de fato este país, imaginar que essa gente aceite a ideia de que todos os cidadãos têm os mesmos direitos e deveres – e que, portanto, todos deveriam cumprir as regras adotadas para a aplicação progressiva da vacina. Na sua cabeça, as pessoas não são iguais.

Ao contrário: o Brasil, para eles, se divide entre os que têm crachá de autoridade em qualquer coisa que se relacione com “governo”, e os que não têm. Eles têm. Então, com a maior naturalidade do mundo, tomam a vacina na frente dos outros. Por que raios os donos do aparelho público e os que influem nele iriam respeitar as regras da vacinação se, no resto do tempo, não respeitam regra nenhuma? É a lei do “sabe com quem está falando?”, mais forte no Brasil que todos os 250 artigos da Constituição Cidadã juntos.

Episódios de desrespeito aberto ao cronograma já ocorreram em mais de dez Estados; na próxima contagem, é possível que a fraude consiga atingir todos os 27. Em Manaus, aproveitando mais uma vez os poderes de mini-ditador que ele e milhares de outros chefetes ganharam com a covid, o prefeito teve um surto: baixou decretos nomeando pelo menos dez médicos como “gerentes de produto” – isso mesmo, “gerentes de produto” – e com isso todos puderam ser vacinados logo no primeiro dia. Mais: proibiu a divulgação do que tinha acabado de fazer – como se Manaus fosse um território com leis diferentes das do Brasil, no qual o prefeito tem direito de fazer censura oficial. Com a intervenção do Ministério Público, achou melhor baixar o facho – mas as vacinas, à essa altura, já estavam aplicadas.

Em São Paulo, médicos da Prefeitura brigam em público com médicos do Estado, acusando-se mutuamente de furar a fila para tomar a vacina; até estudantes de medicina entraram nesse bonde e foram vacinados como soldados da “linha de frente”. Uma secretaria da Saúde acha que a outra secretaria da Saúde está lhe passando a perna; reclamam que o envio das doses não está equilibrado. Na Bahia e em Sergipe, prefeitos de cidades do interior, que não têm nenhum direito a passar na frente de ninguém, mas têm o controle sobre as doses entregues a eles, foram os primeiros a se vacinar; como desculpa, disseram que estavam “dando exemplo”, para “incentivar a população” a tomar a vacina. Que vacina? As doses que chegaram já foram consumidas por eles próprios e por quem mais tem carteirinha.

Em Pernambuco, Ceará, Paraíba, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro e Distrito Federal, pelo menos, os procuradores de Justiça investigam safadezas parecidas – políticos, médicos recém nomeados, um gerente de informática e até um fotógrafo foram observados furando fila. E a vacinação dos milhões de brasileiros que não têm nada a ver com o serviço público? Para esses ainda “não dá data marcada”. Que esperem: autoridades, médicos que distribuem as doses da vacina e outros viajantes da primeira classe estatal estão “dando exemplo” e consumindo os estoques disponíveis.

DEU NO X

CORRESPONDÊNCIA RECEBIDA

BOAVENTURA BONFIM – FORTALEZA-CE

Caro Berto,

Envio-lhe um Conto de minha lavra: “O afilhado do Kennedy”, publicado no jornal O POVO, Fortaleza, Ceará, de 13 de fevereiro de 1988, Segundo Caderno, p. 6, cujo texto original do “O POVO” encontrei ontem em meus preciosos escaninhos.

Trata-se de uma história real ocorrida no interior do Ceará, que eu a transformei em conto no início de 1988, porém já ouvi muita gente contando-a aos quatro ventos.

Caso seja possível, gostaria que você o publicasse nessa democrática Gazeta.

Grato,

* * *

O AFILHADO DO KENNEDY

Zeca D’Almeida era um desses vaidosos políticos do interior do Ceará. Consideravam-no um líder nato em sua pequenina cidade, embora jamais tenha obtido, sequer, uma vitória em diversas eleições para vereador. Isso, no entanto, nunca lhe extirpou a posse de chefe político.

Se alguém o chamasse por Zeca de Almeida, a resposta surgia incontinenti:

– D’Almeida, por obséquio! E repisava sempre a mesma cantilena:

– Vocês quiçá não saibam, mas o meu tetravô recebeu título de nobreza das mãos do próprio Imperador. Por isso lhes peço me tratem sempre por D’Almeida, herança aristocrática deixada por meus não menos ilustres ancestrais.

Para dar azo à sua excessiva megalomania, em 1962 fez uma carta ao Sr. John Fitzgerald Kennedy, então presidente dos Estados Unidos, convidando-o para ser padrinho do seu mais novo rebento. Justificava ele:

– Ora, o Iranildo tem uma gigantesca foto abraçado ao presidente Juscelino Kubitschek, e a expõe com ostensivo gabo em seu escritório de suplente, por que não posso me compadrar com o Kennedy?

A polidez e a notória postura política do Estadista americano não o deixaram declinar do insólito convite. Impossibilitado, porém, de comparecer ao evento, outorgou poderes ao presidente da República Federativa do Brasil. Este, por sua vez, substabeleceu a procuração em nome do Excelentíssimo Governador do Estado do Ceará, o qual substabeleceu-a, enfim, ao Sr. Prefeito da festejada cidade do amigo íntimo do Kennedy. Finalmente, após a tramitação de toda a papelada norte-americana, realizou-se, em mais solene festa, o batizado do faustoso afilhado do gestor-mor de uma das maiores potências do mundo.

Lamentavelmente, no dia 22 de novembro de 1963, a família fidalgarrona residente no caixa-pregos teve desagradável surpresa: um tresloucado indivíduo havia atirado no infeliz mandante da frustrada invasão da baía dos Porcos, quando de sua visita ao Texas. A bala, por ironia do destino, atingiu o cérebro do célebre visitante, deixando-o sem vida. O líder provinciano cearense toma conhecimento da nefasta notícia através do serviço de radiodifusão local. De imediato, preocupado com o melindroso problema cardiovascular da esposa, dirige-se para casa, pensando em um meio de informá-la paulatinamente da tragédia. Após demorado preparo psicológico, diz-lhe, com suaviloquência:

– Assassinaram o cumpadre Kennedy!

A mulher do quase-futuro-vereador, em tom de desespero, agarra-se ao marido em copioso choro, declina a cabeça sobre seu ombro e, limpando com as costas das mãos o viscoso líquido escorrente do nariz, desabafa:

– Você num avalie como estará numa hora dessas a pobre da cumadre Jacqueline.

DEU NO X

A PALAVRA DO EDITOR

MAMÃE, QUERO SER PRESIDENTE

Não restam mais dúvidas: o Brasil está vivendo uma epidemia de milionários cismados com a Presidência da República. É a síndrome do “Mamãe, quero ser presidente”, muito comum entre gente mimada com o boi na sombra. O que mais poderia explicar esse surto de Dórias, Hucks, Amoedos, etc enguiçados nessa paranoia de mandar nos outros?

Sim, essa é a paranoia. Porque se fosse uma paranoia do tipo missionária, quixotesca ou algo assim, eles não tentariam atrapalhar absolutamente tudo que é feito no país – para se apresentarem como solução heroica. É a velha história: quando a criança não recebe o devido contraponto ao narcisismo primário, passará o resto da vida querendo tudo para si – e nunca estará satisfeita.

O problema dos tempos atuais é a complacência das sociedades com as emanações do narcisismo pueril delirante. Não aparece ninguém para dar uma segurada no chilique. Os adultos estão cansados ao final de um dia de trabalho e lá estão os pirracentos na sala dizendo que vão salvar a Amazônia, que vão dar aula de democracia, que tá tudo errado e a Greta tem razão: ninguém nunca fez nada que preste por este planeta e eles vieram dar a real.

São criaturas sovinas, personalistas, calculistas e gulosas que ficam recitando um teatrinho amador de solidariedade e empatia – sem que a coletividade contraponha com a dignidade e a clareza necessárias: deixe de ser ridículo, seja homem.

O mais interessante é que personalidades tidas como reserva intelectual da nação, tipo um FHC, estão se desmanchando diante desses emergentes remediados. A elite culta estava chocada, perplexa, estarrecida com a ascensão política dos rudes sem compostura, sem lastro histórico e doutrinário. De repente cai de joelhos diante de um aventureiro de auditório. De quantas conveniências e facilidades se faz uma grande alma?

É isso. Por que insistir em chamar de política o que é só uma loja de conveniência? Tem prateleiras acessíveis com éticas baratinhas para tudo – ecologia, empatia, ciência, humanismo, inclusão sexual. É só passar no caixa – ou nem precisa, se for amigo do dono. Saia dali sorrindo com um abadá de preocupação social, com pulseirinha vip de macho sensível ou fêmea consciente, com camarote exclusivo na avenida das elevadas virtudes carnavalescas.

Mas nada seria possível nesse fabuloso mundo de facilidades sem uma imprensa abnegada na dura missão de transformar loja de conveniência em templo de virtudes. Não pense que é fácil se prestar ao papel de vender arregimentadores de bilionários como luminares da comiseração. Não despreze o custo de um rebolado até o chão para transformar frases de porta de banheiro em moderna filosofia progressista.

A contracultura libertária de hoje é um ajuntamento de nerds ricos e tarados pelo controle de cada vírgula. E você está entrando nessa democracia de cativeiro porque quer.

SEVERINO SOUTO - SE SOU SERTÃO