LAUDEIR ÂNGELO - A CACETADA DO DIA

DEU NO JORNAL

JOSÉ RAMOS - ENXUGANDOGELO

CAFÉ TORRADO EM CASA

Grãos crus de café

O som ainda está gravado na minha mente.

No final da tarde, quando o sol já estava frio, era normal escutar as batidas dos chocalhos dos bodes, cabras e cabritos, sendo “chiqueirados” para o pequeno curral improvisado. Os bodes continuavam ruminando algo comido fora do chiqueiro, enquanto os cabritos saltavam como se estivessem a comemorar alguma coisa.

Mas, os ouvidos captavam outros sons. É o tic-toc no pilão. Meu Avô pila os grãos do café que minha Avó acabara de torrar, após deixá-lo esfriar numa arupemba sobre o girau.

Um quilo de grãos de café cru, virava um quilo e trezentas gramas com o acréscimo da mangirioba.

Tic-toc!

Outras vezes, toc-toc!

Terminada aquela tarefa, o pilão era limpo e lavado. O cheiro e o gosto do café não podiam ficar. O pilão seria usado outras vezes, fazendo xerém para os pintos, ou tirando as cascas do arroz.

Café fumegante torrado no alguidá

Naqueles anos 50 e 60, já existia o moinho manual, mas nem todas as famílias podiam comprar. Era alto o valor, em que pese sua utilidade. Moía carne, moía pimenta e, às vezes moía também o café que alguns compravam já no ponto de moer. Na roça, esse luxo não chegara.

O pilão, esse sim, era usado todo dia. Para pilar várias coisas. Era como se “fosse da família”. Imagine. Um pedaço de pau com um buraco, sendo parte de uma família – apenas pela utilidade, claro.

Para alguns, o pilão era uma obra de arte que precisava ser encomendada, de acordo com as necessidades (e posses) dos usuários.

Pilão sendo usado na “pila” do café

O dia ainda não estava claro de todo. Mas, o galo cantou. E, na roça, quando o galo canta, as cabras e bodes começam a fazer barulho, não há como ficar deitado ou voltar a dormir. É hora de levantar.

Vovó, fazia tempo, estava acordada “apreparando” o café torrado no dia anterior. Café fresquinho – como ela própria falava – mas o dito cujo era quente e forte.

A mesa posta. Cuscuz (que também chamamos de “pão de milho”), tapioca, batata doce cozida, leite de cabra fervido, queijo de coalho de leite de cabra e uma “pratada” de macaxeira colhida no dia anterior. Era o café – e que nenhum idiota viajado, se metesse a chama-lo de “breakfast, petit-déjeuner ou desayuno”.

A Avó já fizera a sua etapa. Agora escolhia o feijão que, cozido, alimentaria a filharada, e os demais trabalhadores. A mistura ou o tempero do feijão era sempre: quiabo, maxixe, abóbora e, quando possível, algum osso da canela do boi, que meu Avô adorava por conta do tatano, que fazia questão de escorrer dentro do prato.

Café no bule mantém tradição sertaneja

O café torrado e pilado em casa era uma tradição entre nós. Os grãos, comprados crus, recebiam uma parcela de uma semente (mangirioba) que nunca vi em outro lugar. Era uma vagem pequena, semelhante a vagem da ervilha que, além de nós, que a colocávamos para aumentar a quantidade do café, era também preferida pelos caprinos. Por isso meu Avô nunca cortava. Pelo contrário. Plantava.

Esperta, minha Avó acrescentava a rapadura que, segundo ela, amenizava o amargo natural do café.

Ainda hoje, na roça ou em qualquer lugar, o café é uma forma de fazer amigos – mas, o café torrado em casa tem outro valor: “esse café foi torrado em casa, que minha comadre me enviou”.

RLIPPI CARTOONS

DEU NO X

CORRESPONDÊNCIA RECEBIDA

WELLINGTON VICENTE - GLOSAS AO VENTO

REFÚGIO

Eu faço da poesia
Um reduto onde me acampo,
Para o meu ser vagar solto
Feito a luz de um pirilampo,
Bebendo orvalhos de amor
Na pétala da flor do campo.

Jr. Adelino

A minha emoção estampo
Em casa raiar do dia
Recebendo satisfeito
Tudo quanto Deus envia
E segurando nos punhos
Da rede da Poesia.

Wellington Vicente

DEU NO X

FERNANDO ANTÔNIO GONÇALVES - SEM OXENTES NEM MAIS OU MENOS

MEDO E DESEJO, ATORES SEMPRE PRESENTES

Nascido em 24 de janeiro de 1950 em Angers, pequena cidade a oeste da França, Jean-Yves Leloup é um teólogo, filósofo, terapeuta transpessoal, escritor e padre da Igreja Ortodoxa Grega. Tendo escrito inúmeros livros, dedica-se essencialmente à temática da espiritualidade cristã, mantendo diálogos fraternais com outras tradições religiosas, a exemplo do budismo. Em suas obras, trata sobre meditação e oração, sobre o amor, a paz, a morte e sobre as lições que podem ser apreendidas da tradição cristã oriental, que são comumente esquecidas pela parte ocidental, como o ensino dos antigos padres gregos e do Hesicasmo, uma tradição milenar que ensina a meditação e a oração no cristianismo. Leloup também é fundador de uma instituição que estuda as civilizações e dirige o Colégio Internacional dos Terapeutas.

O pensamento de Jean-Yves Leloup é inseparável de sua biografia. Sendo criado em um ambiente ateu, onde se acreditava que tudo o que existia era o mundo material e que nada havia depois da morte. Um dia, Leloup foi diagnosticado com morte cerebral através de uma ressonância magnética. Ele relata que, durante sua morte física, viu-se fora de seu corpo olhando para ele e que visitou um lugar onde tudo era silencioso. Assim, ao retomar à consciência, concluiu que ela podia habitar fora do corpo, em uma localidade onde reinaria infinita paz.

Por causa dessa experiência de quase morte, Leloup foi estudar Filosofia, buscando respostas para o que lhe havia acontecido. Em uma viagem a Istambul, começou a perceber os ícones de Jesus e Buda, pintados em igrejas e mesquitas. E questionava-se sobre Jesus Cristo e sobre sua singular característica de, conforme a tradição cristã, ser a síntese perfeita entre o divino e o humano, o tempo e a eternidade, e ainda ser compaixão, paz, lucidez e completude. Encontrou então, ainda em Istambul, um lugar pertencente à Igreja Grega, onde teve contato com um padre ortodoxo que o enviou para o Monte Athos, onde Leloup afirma ter, finalmente, encontrado o cristianismo.

O pensamento de Jean-Yves Leloup é poético, universalista e multidimensional. De acordo com Marie de Solemne, estudiosa de sua obra, a força das palavras de Leloup são sistematicamente alimentadas de uma só vez por três sementes: a filosófica, a psicanalítica e a espiritualidade. Por sua característica universalista, o pensamento de Leloup aceita pressupostos da astrologia, afirmando que o ser humano é uma parte do universo e que, portanto, é dependente dos astros. Assim, Leloup acredita que o homem é uma mistura de natureza e aventura, de modo a não ser radicalmente determinado pelos astros, o que o faz negar qualquer forma de determinismo.

Um de seus temas recorrentes é o deserto, que simboliza o silêncio, de onde vem e para onde volta a palavra e o vazio, de onde vem o mundo e para onde ele volta. Nele, entramos em contato com a origem de todas as formas. E também acredita Leloup que a ressurreição é algo possível. Ao ser perguntado sobre Deus, Leloup afirma que sua imagem é a imagem que cada um faz d’Ele, de acordo com a experiência particular, de modo que cada um tem sua religião de acordo com seu nível de compreensão. Assim sendo, para Leloup, a imagem de Deus pode mudar em cada mente, de acordo com o desenvolvimento de sua maturidade intelectiva.

Acredito piamente que o Jesus da História e o Cristo da fé devem ser amplamente reinterpretados e mutuamente reintegrados, favorecendo amanhãs evangelizadores mais fraternais e nunca dogmáticos, sempre solidários com os menos favorecidos, para que todos tenham vida plena e muito abundante nos quatro cantos do mundo.

PENINHA - DICA MUSICAL