CÍCERO TAVARES - CRÔNICA E COMENTÁRIOS

Em homenagem a esse gênio do improviso popular carpinense, assassinado anteontem na Comunidade Loteamento Três Maria aos 69 anos, republico crônica que escrevi sobre seu belíssimo trabalho e publicado aqui no Jornal da Besta Fubana em 15.10.2018.

Encantou-se o artista assassinado covardemente por um desalmado, mas ficou sua cultura popular universal que está chorando pelo mundo a perda.

* * *

Bonecos e o Preto Velho Zé Cosmes

ANTÔNIO ELIAS DA SILVA, eis o nome registral desse exímio artesão rústico nascido em Carpina-PE aos 09 de maio de 1953.

Artesão empírico, com extraordinária habilidade no trato com a madeira tosca – o mulungu – árvore apropriada para a confecção de seus bonecos artísticos, cedo teve de sorver a puberdade lúdica, na palha da cana dos engenhos da região da Zona da Mata Norte, sob o sol causticante e inclemente do trabalho com a enxada, limpando matos dentro dos canaviais íngremes para sobreviver e ajudar a família.

Autodidata, nunca pisou o batente de uma escola oficial. Seu mestre, professor, instrutor, inspirador é sua espantosa capacidade observativa e habilidade intuitiva em transformar tudo que é madeira tosca de mulungu em verdadeiras obras-primas artesanais.

Devido à sua extrema habilidade arteira manual, esse carpinense casual, cedo começou a divertir e maravilhar sua sofrida gente nas festas juninas no bairro de Santo Antônio, em Carpina, com seus mamulengos cômicos e satíricos, ridicularizando os costumes e o comportamento da sociedade local nos teatros de pano improvisados ao ar livro.

Além de escultor, Mestre Saúba é um exímio dançarino e juntamente com D.ª Lindalva, uma boneca de madeira em tamanho natural, faz um espetáculo pitoresco que sempre atrai centenas de pessoas nos lugares onde se apresenta. Mestre Saúba também é ventríloquo e contracena com o divertido boneco Benedito. Dona Quitéria, Mané Pacaru, Dona Lilia, João Gago, Simão, Coquinho, Laré e Dona Liprosina são alguns dos outros personagens nascidos pelas mãos do artista. Outra criação que marcou muito seu trabalho foi os ciclistas, que pedalam e mexem a cabeça.

Apesar de seus trabalhos correrem o país e o mundo, serem expostos em galerias de luxo, maravilharem o Brasil em shows nos canais de televisão mais populares, tanto locais quanto nacionais, esse autêntico e verdadeiro artista mamulengueiro continua pobre e miserável, devendo até os pentelhos aos agiotas, e sem dinheiro para alimentar a prole numerosíssima, filhos de várias manteúdas que dele se aproximam pensando ser detentor de uma grande fortuna em dólar ganhada de gringos e guardada em uma botija debaixo da cama de lona comprada na feira de mangaio em Caruaru.

É doloroso vê-lo trôpego, cheio de manguaça, todo cagado cambaleando pelas ruas cheias de bueiros de guabirus na sua terra natal, Carpina, com as mãos e os pés melados de cola de madeira, com os bolsos mais lisos do que pau de tarado, dando murro no ar e rogando pragas ao vento por lhe faltar os caraminguás.

Espera-se que não se deixe acontecer com ele as mesmas injustiças e indiferenças que houve ao maior pintor pós-impressionista do século XIX, o Neerlandês Vincent Willen Van Gogh – “lúcido e louco; dócil e violento” -, que depois de morto, seus quadros alcançaram a glória, sendo vendidos em leilões suntuosos por fortunas incalculáveis; seu busto virou estátua no mundo; seu nome virou rua em todo o planeta; seu túmulo, adoração; mas em vida só conheceu a miséria, o desprezo, o abandono, a indiferença e as loucuras dos choques elétricos nos manicômios.

7 pensou em “SAÚBA DOS BONECOS: FORÇA QUE VEM DA ARTE

  1. Ciço, meu irmão,

    E tem uns cabras, para tristeza de muitos, que cismam em virar estrela no firmamento…

    Recorro ao tradicional epitáfio romano H.S.E.S.T.T.L. Hic Situs Est Sit Tibi Terra Levis: «Tem gente que deveria ser proibida de morrer – o Mamulengueiro Mestre Saúba (José Antônio da Silva) era um desses, conforme mestre Ciço Tavares, que de arte muito entende, cronicou.

    • Queridíssimo Sancho,

      Nosso maior orgulho é ter a oportunidade de ter convivido com um gênio, que “criava suas maluquices em seus lenções” ali na nossa frente quando lá em ia em sua casa em Carpina (PE), invocando outro gênio: Bob Dylan!

      Quantas e quantas vezes estive em sua casa desorganizadamente organizada? Cheia de mulungu! E ele me pedia para ficar sentado num tamborete vendo a arte brotar de suas mãos hábeis?

      Como Luiz Berto com Orlando Tejo, tive o imenso prazer de ver nascer muitas obras-primas daquelas mãos hábeis!

      São essas coisas simples da vida que me orgulham ter presenciado nascer!

      Forte abraço com xêraço!

      “Só os loucos vivem bem” – dizia ele para mim!

  2. Ciço, meu bom compadre:
    Rapaz, a história de Mestre Saúba me emocionou. Como Engenheiro, digo e afirmo que o espírito de Mestre Saúba era de um Engenheiro, mas com um toque divino de artista.
    O vídeo que acompanha sua brilhante crônica mostra o que é o legado de um homem cujo espírito não é dessa terra.
    Estou guardando sua crônica para pertencer aos anais de minha passagem pela vida terrena.
    Um grande abraço, meu compadre.
    Magnovaldo

    • Meu mestre e cumpade Magnovaldo Santos,

      O mestre das crônicas de engenharia e cálculo, à lá João Cabral de Melo Neto que inaugurou um estilo surrealista de compositar seus poemas, tem a mainha autorização não só de arquivar em seus anais culturais, como publicá-lo em seu livro de crônica.

      Forte abraço e muito obrigado pelas palavras ditas em homenagem ao Mestre Saúba dos Bonecos.

      FORÇA QUE VEM DA ARTE DE UM GÊNIO!

  3. Parabéns, querido cronista Ciço Tavares, pelo belíssimo e emocionante texto, em homenagem ao talentoso Mestre Saúba dos Bonecos, Representante da Cultura Popular.de Pernambuco., .

    Lendo a história de vida de Antônio Elias da Silva, o Mestre Saúba dos Bonecos, Mamulengueiro e também brincante junto aos bonecos de sua autoria, Benedito e Dona Lindalva, com quem dançava e atraia a curiosidade popular, concluimos que ele foi um predestinado.
    Nasceu com a missão divina de levar alegria às pessoas, principalmente às crianças. Era sempre visto nas praças públicas, feiras livres e eventos de cultura popular, onde expunha sua arte.de Mamulengueiro…

    Palavras do Mestre Saúba:

    “Deus é grande, o mundo é largo. Ruim é a pessoa que se fecha em si e não repassa o que aprendeu na vida”,

    Foi mais um homem abençoado, que terminou sendo “crucificado”.

    Uma ótima semana! Abraços!

    • Queridíssima Violante Pimentel, Vivi para mim e Sancho,

      Acompanhei a trajetória de vida do Mestre Saúba dos Bonecos desde a infância dele, uma vez que tínhamos quase a mesma idade. O que mais me fascinava nele era a habilidade que possuía para sintonizar-se com a Boneca Lindalva no palco, dançando como um desesperado!

      Quem nasce artista sempre será artista. É um dom que só Deus sabe explicar.

      Mas infelizmente ele tinha o pavio curto. Quantas e quantas vezes já me deparei com ele caminhando de um lado para outro da rua, aos intrupicões, cheio da manguaça? O que possuía de talento para criar sua arte possuia de disposição para beber e raparigar.

      Além disso ele era cheio de mulheres que afirmavam que tinham um filho ou mais dele. Parecia o personagem de Chico Anísio, que eram tantos filhos que não sabia o nome.

      Mas mesmo assim encantou-se como planejou: no bar, cheio de cachaça e arrudiado de amigos caneiros.

      Infelizmente no meio dos amigos, havia um covarde que lhe ceifou a vida por nada!

      Xêros, abraços e ternurinhas, querida, com ótimo final de semana!

  4. O vídeo “MESTRE SAÚBA E A CASA DE FARINHA” é lindíssimo!!! Adorei!!!

    Parabéns pela brilhante postagem!

    Abraços.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *